As Faces do
Empreendedorismo Negro
Postado em 12/01/16 por Pedro Borges
Texto: Pedro Borges / Ilustração:
Araújo
Analistas e empresários de diferentes
áreas dão a sua opinião sobre uma realidade cada vez mais presente no Brasil: o
empreendedorismo negro
A maior parte dos empreendedores brasileiros são afrodescendentes. É o
afirma o estudo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas,
Sebrae, publicado em 2015 com base na Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios, PNAD. Agora, 50% dos donos de negócio são pretos ou pardos, 49%
brancos e 1% pertencem a outros grupos populacionais.
De acordo com o relatório, entre 2003 e 2013, houve um crescimento de
10% no contingente dos donos de negócio do país, passando de 21,4 para 23,5
milhões. Uma divisão do ponto de vista étnico-racial mostra que o número de
pardos e pretos cresceu 24%, passando de 9,5 para 11,8 milhões. A categoria
“outros” apresentou crescimento de 26%, passando de 200 mil para 253 mil,
enquanto que o número de brancos caiu 2%, de 11,7 para 11,5 milhões.
Para Maria Ângela Souza, analista de Políticas Públicas do Sebrae, o
aumento da classe média no Brasil e a maior distribuição de renda são alguns
dos aspectos explicativos da situação, mas não são os únicos a desvendar o
fenômeno “Outro fator importante foi o incentivo à formalização como
microempreendedor individual (MEI), além do orgulho de se declarar negro, que
vem crescendo no país”.
A lei complementar n° 128, de 19/12/2008, criou condições para que o
trabalhador rotulado como informal possa se regularizar diante do mercado. A
partir de uma taxa mensal de aproximadamente R$ 40,00, esse trabalhador
consegue contribuir com a previdência social e se cadastrar de modo efetivo no Portal do Empreendedor.
Segundo outra pesquisa do Sebrae, “Perfil do MEI”, em 2015, o Brasil já
registrava 5,6 milhões de trabalhadores nessa modalidade.
Apesar da regularização do MEI e do aumento do número de donos de
negócio afrodescendentes, as diferenças entre o empreendedorismo negro e branco
são gritantes. Para Maurício Pestana, Secretário Municipal de Promoção da
Igualdade Racial, SMPIR-SP, quando tratamos dos empresários negros, “estamos
falando de cabeleireiros, de pessoas que montam uma pequena oficina de costura
ou distribuidora de produtos para cabelo, e que muitas vezes precisam se virar
sozinhas. Já o empreendedor branco em geral, por ter uma questão econômica e
social mais elevada, já começa seu negócio em condição mais favorável e em
pouco tempo poderá crescer, contratar funcionários e investir mais. Esta é a grande
diferença”.
O Sebrae, no relatório da pesquisa sobre o perfil étnico-racial do
empreendedor brasileiro, faz uma distinção entre o empresário por
“conta-própria” e o “empregador”. O primeiro seria o sujeito que trabalha
sozinho, ou tem a ajuda de um sócio. O segundo disponibiliza de uma melhor
infraestrutura e pode então contratar funcionários. Entre os negros, 91% são
empreendedores por conta própria e apenas 9% são empregadores. Já entre os
brancos, os números são de 78% e 22%, respectivamente.
Para Juninho Jr., presidente estadual de São Paulo do PSOL e militante
do Círculo Palmarino, é compreensível que a população negra procure saídas
dentro de uma sociedade capitalista, na medida em que vive, muitas vezes, na
marginalidade. “É natural que a população que tenha a maior vulnerabilidade,
que tenha a maior dificuldade de empregabilidade, ela busque formas
alternativas e hoje ditas empreendedoras para poder buscar a sua sobrevivência
dentro da estrutura social capitalista”.
Por ser um reflexo da condição de vulnerabilidade da população negra,
Roque Ferreira, membro no Movimento Negro Socialista, faz uma ressalva com
relação ao empreendedorismo. “Se existe mais “empreendedores individuais
negros”, isso não deve ser motivo de comemoração, ao contrário, revela que
estamos lançados à própria sorte dentro de um modelo que a cada dia preda
postos de trabalho. Ser empreendedor neste contexto é submeter-se na maioria
dos casos ao trabalho precário”.
A pesquisa Sebrae sobre o “Perfil do MEI” mostra que 45% dos microempreendedores
individuais são ex-empregados de carteira assinada e que hoje se lançam no
mercado enquanto donos do próprio negócio.
Feira Preta
Foto: Alma Preta/ Exposições de arte durante a Feira Preta
A Feira Preta é um exemplo bem sucedido de
afro-empreendedorismo. Criada em 2002, o evento teve a sua primeira edição na
Praça Benedito Calixto, Pinheiros, zona oeste de São Paulo, e contou com 40
expositores. No ano de 2014, cerca de 16 mil pessoas estiveram na Feira e em
2015, no dia 7 de dezembro, no Pavilhão de Exposições do Anhembi, o grande
público que compareceu ao evento contou com shows de Tássia Reis e Rael da
Rima.
Adriana Barbosa, idealizadora da Feira Preta, conta que, apesar das
mudanças durante a trajetória de construção da Feira, o ideal do evento se
manteve. “Embora isso vá se transformando com o tempo, posso dizer que o fio
condutor da Feira sempre foi a valorização da cultura negra, o fortalecimento
da identidade negra e, principalmente, a promoção do afroempreendedorismo”.
Para ela, o evento é o amadurecimento de um mercado pensado para negras
e negros e realizado por esses mesmos atores sociais. Adriana destaca ainda que
a consolidação dessa ação pode promover algo caro à população negra no Brasil,
a autonomia financeira. “O empreendedorismo tem uma conexão direta com
autonomia financeira e, consequentemente, inserção social. Esta inserção
confere às pessoas, de maneira geral, uma noção de pertencimento. E esta noção
é muito cara ao povo negro, em razão do racismo estrutural que temos no Brasil,
que “reserva espaços específicos” à população negra”.
Deste modo, o empreendedorismo e a melhoria da condição financeira da
população negra poderiam ser uma saída para as mazelas sociais a que pretas e
pretos estão submetidos, na visão de Maurício Pestana. “Não tenha dúvida. A
partir do momento em que ocuparmos mais espaço nas universidades, na indústria,
comércio e cargos de decisões, a desigualdade tende a reduzir”.
Roque Ferreira aponta para a impossibilidade de superar o racismo a
partir do empreendedorismo e explica o perigo de se glamorizar a figura do
empreender em uma sociedade forjada com base na meritocracia. “Se o racismo
está diretamente vinculado ao modo de produção baseado na exploração da força
de trabalho, a “glamurização” do tal empreendedor individual não muda em nada
as relações raciais, ao contrário, podem hiper valorizar a meritocracia de se
obter sucesso como empreendedor individual, dar um salvo conduto para o
processo de exploração, individualizando as relações sociais de produção e
todas suas consequências individuais e coletivas”.
As relações raciais de poder ainda continuam muito desproporcionais. No
ano de 2015, das 381 empresas listadas na Bovespa, a bolsa de valores de São
Paulo, nenhuma tinha um CEO negro. No campo político, as desigualdades
persistem. Um exemplo é a existência de uma única ministra negra, Nilma Lino
Gomes, Ministra da Cidadania. No plano social, segundo o Mapa da Violência
publicado em 2014, de 2002 a 2012, o número de jovens brancos assassinados caiu
de 36,7% para 22,8%, enquanto o de negros subiu de 63% para 76,9%. Mapa da
Violência de 2015 apontou também crescimento de 54%, entre 2003 e
2013, do número de mulheres negras assassinadas, enquanto a taxa de
homicídio de mulheres brancas caiu 9,8%.